quarta-feira, 25 de novembro de 2015

PROJETO CLARICE LISPECTOR E O JARDIM BOTÂNICO (450 ANOS DO RIO)

Uma das atividades desenvolvidas pela Sala de Leitura, dentro do Projeto Rio, 450 anos, foi o trabalho realizado a partir da leitura de textos de alguns escritores cariocas. Dentre os nomes selecionados havia também aqueles de pessoas que, embora não tenham nascido na cidade do Rio de Janeiro, escolheram essa cidade para viver. Clarice Lispector é um desses nomes. A escritora nasceu na Ucrânia, mas ainda menina veio morar no Rio de Janeiro e tornou-se uma verdadeira carioca. O livro “Crônicas para jovens: do Rio de Janeiro e seus personagens” , de Clarice Lispector, foi escolhido para ser lido pelos alunos das turmas 1702 e 1708.
A crônica selecionada foi “O ato gratuito”. Em certa passagem do texto a autora diz: “De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha.” Foi a partir desse “convite” que pensamos na proposta que seria desenvolvida após a leitura: uma visita ao Jardim Botânico, um espaço tão próximo de nossos alunos, mas desconhecido da maioria.
Em uma parceria com a Professora de Geografia das turmas, Claudia Andrea, os alunos, após a leitura da crônica, fizeram uma visita ao Jardim Botânico. Lá, participaram das atividades preparadas, pelos estagiários de Geografia da PUC, com propostas de localização em um mapa dos lugares do Jardim citados na crônica. Exploraram outros pontos do lugar e fizeram novas descobertas.
A visita ao Jardim terminou com um delicioso piquenique.
Após a visita, os alunos da turma 1708 voltaram à Sala de Leitura e produziram textos contando suas impressões e sentimentos que a visita ao Jardim Botânico provocou neles.
Os alunos da turma 1702 realizaram a produção de texto com a orientação do professor Arilton, de Língua Portuguesa.
Os textos feitos pelos alunos resultarão na produção de um livro.
Trechos de alguns textos:
“ Eu senti uma coisa boa quando eu vi as árvores  do Jardim Botânico. E o legal era que tinha muitas espécies de árvores que eu nem sabia que existiam...” (Marcos de Castro Rosa-1708)
“ No Jardim Botânico eu vi muitas plantas e matinhos. As plantas eram bem bonitas e cheirosas,...” ( Lenize de Oliveira – 1708)
“Entrei em um local onde tinha muitas plantas carnívoras. Não gostei muito, pois não entendo essas coisas de plantas carnívoras.” (Beatriz – 1708)



  
 “O ato gratuito”


Muitas vezes, o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito, se tem causas, são desconhecidas. E se tem consequências, são imprevisí­veis. O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e ônibus, pela nossa vida diária enfim – que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço.
Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens branquí­ssimas, estava eu escrevendo à máquina – quando alguma coisa em mim aconteceu. Era o profundo cansaço da luta.
E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordara. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar idéias de mim mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava – precisava com urgência – de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu não precisava pagar. Não digo pagar com dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver.
Então minha própria sede guiou-me. Eram 2 horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: vamos ao Jardim Botânico. “Que rua?”, perguntou ele. “O senhor não está entendendo”, expliquei-lhe, “não quero ir ao bairro e sim ao Jardim do bairro.” Não sei por que olhou-me um instante com atenção.
Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortí­ssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse no rosto grato de olhos entrefechados de felicidade.
Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver. Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.
O mistério me rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvores de tronco nodoso e escuro, tão largo que me seria impossí­vel abraçá-lo. Por dentro dessa madeira de rocha, através de raí­zes pesadas e duras como garras – como é que corria a seiva, essa coisa quase intangí­vel que é a vida? Havia seiva em tudo como há sangue em nosso corpo.
De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raí­zes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptí­vel de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saí­da.
Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhei-me toda. Sem me incomodar: esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim.
O chão estava às vezes coberto de bolinhas de aroeira, daquelas que caem em abundância nas calçadas da nossa infância e que pisamos, não sei por que, com enorme prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom. Estava com um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco.
Voltarei num dia de chuva – só para ver o gotejante jardim submerso.
Nota da autora: peço licença para pedir à pessoa que tão bondosamente traduz meus textos em braile para os cegos que não traduza este. Não quero ferir os olhos que não veem.



2 comentários:

  1. Os alunos adoraram conhecer Clarice Lispector. A Sala de Leitura emprestou um número maior de livos da autora. Sucesso!!!

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  2. Foi aqui, nesta crônica que caí de paixão por Clarice Lispector aos 13 anos de idade em um daqueles livros de colégio onde líamos o texto e depois estudaríamos o mesmo.
    Me apaixonei por Clarice para sempre, desde então!

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